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sexta-feira, 20 de maio de 2011

na Espanha, a REVOLUÇÃO da Porta do Sol

Internacional| 20/05/2011 | Copyleft

Cresce na Espanha a Revolução dos Indignados

O movimento que iniciou no dia 15 de maio, chamado 15-M ou a “revolução espanhola”, cresceu quinta-feira com panelaços que reuniram multidões em dezenas de cidades de todo o país para exigir a mudança de um sistema que consideram injusto. A revolta cresce a cada hora. Começou com uma convocatória nas redes sociais e internet para repudiar a corrupção endêmica do sistema e a falta de oportunidades para os mais jovens. A também chamada Revolução dos Indignados acusa, pela situação atual, o FMI, a OTAN, a União Europeia, as agências de classificação de risco, o Banco Mundial e, no caso da Espanha, os dois grandes partidos: PP e PSOE. O artigo é de Armando G. Tejeda, do La Jornada.

Armando G. Tejeda – La Jornada, na Carta Maior

A Junta Eleitoral Central da Espanha proibiu em todo o país qualquer manifestação desde a zero hora de sábado até às 24 horas de domingo, dia das eleições municipais, em uma clara alusão às mobilizações do movimento cidadão Democracia Real Já que, desde o último domingo, ocorrem em repúdio ao modelo político e econômico vigente e que já se espalharam em escala nacional.

Alfredo Peréz Rubalcaba, ministro do Interior, declarou que o governo só esperava o pronunciamento da junta eleitoral para decidir se ordena à polícia dispersar os manifestantes. Enquanto isso, milhares de cidadãos indignados na Porta do Sol, em Madri, na Praça da Catalunha, em Barcelona, na Praça do Pilar, em Zaragoza, e no Parasol da Encarnação, em Sevilla, entre outras, voltaram a romper o cerco policial e, uma vez mais, repudiaram a política, banqueiros e empresários.

O movimento que iniciou no dia 15 de maio, chamado 15-M ou a “revolução espanhola”, cresceu quinta-feira com panelaços que reuniram multidões em dezenas de cidades de todo o país para exigir a mudança de um sistema que consideram injusto. A revolta cresce a cada hora. Começou com uma convocatória nas redes sociais e internet para repudiar a corrupção endêmica do sistema e a falta de oportunidades para os mais jovens e acabou se estendendo para a comunidade espanhola na Itália, Inglaterra, Estados Unidos e México, entre outros países.

No quinto dia de mobilizações a afluência aumentou sensivelmente, sobretudo em Madri e Barcelona, onde dezenas de milhares entoaram palavras de ordem durante horas. Uma delas advertia: se vocês não nos deixam sonhar, nós não os deixaremos dormir.

Os manifestantes desenvolveram métodos de organização através de comissões por setores – saúde, alimentação, meios de comunicação, etc. -, que decidem cada atividade. Nas assembleias gerais decide-se a estratégia e busca-se uma mensagem política unificada que mostrem as principais razões de descontentamento e protesto. Na quinta-feira, por exemplo, decidiu-se manter a mobilização até o próximo domingo, quando ocorrem as eleições locais, e, o mais importante, confirmar a convocatória para a manifestação deste sábado.

Mais tarde, a Junta Eleitoral Central declarou ilegais as concentrações, ao considerar que elas não se ajustam à lei eleitoral e excedem o direito de manifestação garantido constitucionalmente. De fato, desde o início da semana, todas as mobilizações, concentrações e marchas da “revolução espanhola” foram declaradas ilegais pela Junta Eleitoral de Madri. Em resposta, o número de indignados se multiplicou.

Depois de conhecer a decisão da Junta Eleitoral Central, o movimento cidadão decidiu simplesmente manter o acampamento, ao mesmo tempo em que ecoou um grito unânime: não nos tirarão daqui, vamos ganhar esta revolução. Em seguida, foi lido o manifesto original do movimento em uma dezena de idiomas. O texto aponta a classe política e os meios de comunicação eletrônicos como os grandes aliados dos agentes financeiros, os causadores e grandes beneficiários da crise. Advertem que é preciso um discurso político capaz de reconstruir o tecido social, sistematicamente enfraquecido por anos de mentiras e corrupção. “Nós, cidadãos, perdemos o respeito pelos partidos políticos majoritários, mas isso não equivale a perder nosso sentido crítico. Não tememos a política. Tomar a palavra é política. Buscar alternativas de participação cidadã é política”.

A também chamada Revolução dos Indignados acusa, pela situação atual, o Fundo Monetário Internacional, a Organização do Tratado do Atlântico Norte, a União Europeia, as agências de classificação de risco, o Banco Mundial e, no caso da Espanha, os dois grandes partidos: o direitista Partido Popular (PP) e o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), de centro-esquerda.

A reação da direita

Desde a esquerda, há tentativas de aproximação aos indignados. O líder do governo, José Luis Rodríguez Zapatero, disse que é preciso escutar e ter sensibilidade porque há razões para a expressão desse descontentamento e dessa crítica. O líder da Esquerda Unida, Cayo Lara, defendeu o fim da submissão e do bipartidarismo, propiciado pela atual lei eleitoral.

Mas o setor duro da direita política e midiática reclamou com insistência a atuação policial para acabar com todas as mobilizações, sobretudo na Porta do Sul, e pediu inclusive ao Ministério do Interior para que adotasse meios violentos para assegurar esse fim. Uma das imagens do dia (quinta-feira) foi a do ex-ministro da Defesa durante o governo de José María Aznar, Federico Trillo, insultando com o dedo um grupo de cidadãos da revolução dos indignados.

As desqualificações mais fortes vieram, porém, dos meios de comunicação conservadores e da televisão pública de Madri, que acusaram o movimento de ser comunista, socialista, antissistema e de ter relação com o ETA. Um dos ideólogos da direita, César Vidal, foi mais além e depois de chamar, depreciativamente os manifestantes de “perroflautas” (tribo urbana também conhecida como ‘pés pretos’, formada por punks, anarquistas, hippies e ‘gente desocupada’), assegurou que estes jovens mantém contato regular com o Batasuna-ETA e que receberam cursos de guerrilha urbana, da Segi (organização de juventude da esquerda basca).

O movimento cidadão tem seu próprio canal de televisão, que transmite sem cessar as imagens da Porta do Sul (www.solttv.tv).

Tradução: Katarina Peixoto

http://www.viomundo.com.br/politica/ao-vivo-na-espanha-a-revolucao-da-porta-do-sol.html

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Quatro mentiras sobre o ambiente

por Eduardo Galeano


1- Somos todos culpados pela ruína do planeta.


A saúde do mundo está feito um caco. “Somos todos responsáveis”, clamam as vozes do alarme universal, e a generalização absolve: se somos todos responsáveis, ninguém é. Como coelhos, reproduzem-se os novos tecnocratas do meio ambiente. É a maior taxa de natalidade do mundo: os experts geram experts e mais experts que se ocupam de envolver o tema com o papel celofane da ambiguidade.


Eles fabricam a brumosa linguagem das exortações ao “sacrifício de todos” nas declarações dos governos e nos solenes acordos internacionais que ninguém cumpre. Estas cataratas de palavras – inundação que ameaça se converter em uma catástrofe ecológica comparável ao buraco na camada de ozônio – não se desencadeiam gratuitamente. A linguagem oficial asfixia a realidade para outorgar impunidade à sociedade de consumo, que é imposta como modelo em nome do desenvolvimento, e às grandes empresas que tiram proveito dele. Mas, as estatísticas confessam. Os dados ocultos sob o palavreado revelam que 20% da humanidade comete 80% das agressões contra a natureza, crime que os assassinos chamam de suicídio, e é a humanidade inteira que paga as consequências da degradação da terra, da intoxicação do ar, do envenenamento da água, do enlouquecimento do clima e da dilapidação dos recursos naturais não-renováveis. A senhora Harlem Bruntland, que encabeça o governo da Noruega, comprovou recentemente que, se os 7 bilhões de habitantes do planeta consumissem o mesmo que os países desenvolvidos do Ocidente, “faltariam 10 planetas como o nosso para satisfazerem todas as suas necessidades”. Uma experiência impossível. Mas, os governantes dos países do Sul que prometem o ingresso no Primeiro Mundo, mágico passaporte que nos fará, a todos, ricos e felizes, não deveriam ser só processados por calote. Não estão só pegando em nosso pé, não: esses governantes estão, além disso, cometendo o delito de apologia do crime. Porque este sistema de vida que se oferece como paraíso, fundado na exploração do próximo e na aniquilação da natureza, é o que está fazendo adoecer nosso corpo, está envenenando nossa alma e está deixando-nos sem mundo.


2- É verde aquilo que se pinta de verde.


Agora, os gigantes da indústria química fazem sua publicidade na cor verde, e o Banco Mundial lava sua imagem, repetindo a palavra ecologia em cada página de seus informes e tingindo de verde seus empréstimos. “Nas condições de nossos empréstimos há normas ambientais estritas”, esclarece o presidente da suprema instituição bancária do mundo. Somos todos ecologistas, até que alguma medida concreta limite a liberdade de contaminação. Quando se aprovou, no Parlamento do Uruguai, uma tímida lei de defesa do meio-ambiente, as empresas que lançam veneno no ar e poluem as águas sacaram, subitamente, da recém-comprada máscara verde e gritaram sua verdade em termos que poderiam ser resumidos assim: “os defensores da natureza são advogados da pobreza, dedicados a sabotarem o desenvolvimento econômico e a espantarem o investimento estrangeiro.”


O Banco Mundial, ao contrário, é o principal promotor da riqueza, do desenvolvimento e do investimento estrangeiro. Talvez, por reunir tantas virtudes, o Banco manipulará, junto à ONU, o recém-criado Fundo para o Meio-Ambiente Mundial. Este imposto à má consciência vai dispor de pouco dinheiro, 100 vezes menos do que haviam pedido os ecologistas, para financiar projetos que não destruam a natureza. Intenção inatacável, conclusão inevitável: se esses projetos requerem um fundo especial, o Banco Mundial está admitindo, de fato, que todos os seus demais projetos fazem um fraco favor ao meio-ambiente. O Banco se chama Mundial, da mesma forma que o Fundo Monetário se chama Internacional, mas estes irmãos gêmeos vivem, cobram e decidem em Washington. Quem paga, manda, e a numerosa tecnocracia jamais cospe no prato em que come. Sendo, como é, o principal credor do chamado Terceiro Mundo, o Banco Mundial governa nossos escravizados países que, a título de serviço da dívida, pagam a seus credores externos 250 mil dólares por minuto, e lhes impõe sua política econômica, em função do dinheiro que concede ou promete. A divinização do mercado, que compra cada vez menos e paga cada vez pior, permite abarrotar de mágicas bugigangas as grandes cidades do sul do mundo, drogadas pela religião do consumo, enquanto os campos se esgotam, poluem-se as águas que os alimentam, e uma crosta seca cobre os desertos que antes foram bosques.


3- Entre o capital e o trabalho, a ecologia é neutra.


Poder-se-á dizer qualquer coisa de Al Capone, mas ele era um cavalheiro: o bondoso Al sempre enviava flores aos velórios de suas vítimas… As empresas gigantes da indústria química, petroleira e automobilística pagaram boa parte dos gastos da Eco-92: a conferência internacional que se ocupou, no Rio de Janeiro, da agonia do planeta. E essa conferência, chamada de Reunião de Cúpula da Terra, não condenou as transnacionais que produzem contaminação e vivem dela, e nem sequer pronunciou uma palavra contra a ilimitada liberdade de comércio que torna possível a venda de veneno. No grande baile de máscaras do fim do milênio, até a indústria química se veste de verde. A angústia ecológica perturba o sono dos maiores laboratórios do mundo que, para ajudarem a natureza, estão inventando novos cultivos biotecnológicos. Mas, esses desvelos científicos não se propõem encontrar plantas mais resistentes às pragas sem ajuda química, mas sim buscam novas plantas capazes de resistir aos praguicidas e herbicidas que esses mesmos laboratórios produzem. Das 10 maiores empresas do mundo produtoras de sementes, seis fabricam pesticidas (Sandoz-Ciba-Geigy, Dekalb, Pfizer, Upjohn, Shell, ICI). A indústria química não tem tendências masoquistas.


A recuperação do planeta ou daquilo que nos sobre dele implica na denúncia da impunidade do dinheiro e da liberdade humana. A ecologia neutra, que mais se parece com a jardinagem, torna-se cúmplice da injustiça de um mundo, onde a comida sadia, a água limpa, o ar puro e o silêncio não são direitos de todos, mas sim privilégios dos poucos que podem pagar por eles. Chico Mendes, trabalhador da borracha, tombou assassinado em fins de 1988, na Amazônia brasileira, por acreditar no que acreditava: que a militância ecológica não pode divorciar-se da luta social. Chico acreditava que a floresta amazônica não será salva enquanto não se fizer uma reforma agrária no Brasil. Cinco anos depois do crime, os bispos brasileiros denunciaram que mais de 100 trabalhadores rurais morrem assassinados, a cada ano, na luta pela terra, e calcularam que quatro milhões de camponeses sem trabalho vão às cidades deixando as plantações do interior. Adaptando as cifras de cada país, a declaração dos bispos retrata toda a América Latina. As grandes cidades latino-americanas, inchadas até arrebentarem pela incessante invasão de exilados do campo, são uma catástrofe ecológica: uma catástrofe que não se pode entender nem alterar dentro dos limites da ecologia, surda ante o clamor social e cega ante o compromisso político.


4- A natureza está fora de nós.


Em seus 10 mandamentos, Deus esqueceu-se de mencionar a natureza. Entre as ordens que nos enviou do Monte Sinai, o Senhor poderia ter acrescentado, por exemplo: “Honrarás a natureza, da qual tu és parte.” Mas, isso não lhe ocorreu. Há cinco séculos, quando a América foi aprisionada pelo mercado mundial, a civilização invasora confundiu ecologia com idolatria. A comunhão com a natureza era pecado. E merecia castigo. Segundo as crônicas da Conquista, os índios nômades que usavam cascas para se vestirem jamais esfolavam o tronco inteiro, para não aniquilarem a árvore, e os índios sedentários plantavam cultivos diversos e com períodos de descanso, para não cansarem a terra. A civilização, que vinha impor os devastadores monocultivos de exportação, não podia entender as culturas integradas à natureza, e as confundiu com a vocação demoníaca ou com a ignorância. Para a civilização que diz ser ocidental e cristã, a natureza era uma besta feroz que tinha que ser domada e castigada para que funcionasse como uma máquina, posta a nosso serviço desde sempre e para sempre. A natureza, que era eterna, nos devia escravidão. Muito recentemente, inteiramo-nos de que a natureza se cansa, como nós, seus filhos, e sabemos que, tal como nós, pode morrer.

*Artigo publicado pelo blog Outras Palavras.

Disponível em: http://operamundi.uol.com.br/conteudo/opiniao/QUATRO+MENTIRAS+SOBRE+O+AMBIENTE_1497.shtml